segunda-feira, 25 de junho de 2007

Xanana ‘Não sou o herói que pintam’

Entrevista com Xanana

‘Não sou o herói que pintam’

O guerrilheiro que chorou debaixo de uma árvore porque não queria ser Presidente tem agora a certeza de que vai ser o próximo primeiro-ministro de Timor-Leste. O que faz correr Xanana Gusmão? Entrevista exclusiva com o estadista que acredita em anjos da guarda e nas forças da Natureza. E numa conspiração para o assassinar. Leia aqui a verão integral da entrevista

Henrique Botequilha, em Timor-Leste / VISÃO nº 746 21 Jun. 2007

Numa longa conversa com a VISÃO, decorrida na casa do pároco de Liquiçá, em plena campanha eleitoral, Xanana Gusmão revela que o político nunca deixou de ser guerrilheiro. Ele continua a trazer a farda «na pele», ao assumir-se como o principal opositor ao Governo Fretilin.

Foi essa oposição que motivou a criação do CNRT - um partido inspirado na antiga coligação Conselho Nacional da Resistência Timorense . Trocou-lhe o R, que agora é de Reconstrução, e vai disputar as legislativas em Timor-Leste, no próximo dia 30 de Junho.

Não é apenas o poder que está em causa. É o tira-teimas de três décadas de atritos ideológicos e pessoais, que atingiram o seu auge na crise institucional de há um ano, com a violência à solta nas ruas. Depois do seu país, o ex-Presidente propõe-se libertar o seu povo e ele próprio: «Não sou livre.» Aos 61 anos (desde ontem, dia 20), Xanana explica Xanana e outros mistérios.

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Candidato ao poder

«Podia viver lindamente de conferências»

Como nasce uma crise

«Pensaram que podiam ser comandantes mas assustaram-Se»

Católico e animista

«A Natureza facilitou a minha salvação»

Railós e o processo das armas
«Governo fazia escutas à Presidência»

Conselho de Estado escaldante

«Ou sai o senhor ou saio eu»

Xanana na lista da morte

«O irmão era um dos alvos»

Isolado na crise

«Só lamento que em Portugal não tenha tido o benefício da dúvida»

O peso histórico da Fretilin


«Na Perestroika dei todos os pulos que pude»

O guerrilheiro


«Não sou o herói que pintam»

O novo CNRT

«Só tenho medo de ganhar com 80 por cento»

Austrália

«Downer mandou despedir a minha mulher»

CANDIDATO AO PODER

«Podia viver lindamente de conferências»

VISÃO: Disse Mário Carrascalão [ex-governador de Timor e actual líder do PSD] há poucos dias que o senhor é bom de mais para governar. Tem razão?
XANANA GUSMÃO:
É um bom comentário, que agradeço imenso. Não é fácil passar-se de traidor para bom. Alguns já me chamaram de traidor, outros de bom, portanto eu estou no meio.

Ele já lhe chamou de traidor alguma vez?
O Mário não. Mas, numa sociedade em que até as crianças me apontam o dedo e me chamam de traidor, se um homem mais velho e mais experimentado na administração diz isso, fico agradecido. O conceito de governar não é Xanana governar. Tenho vindo a bater na mesma tecla na minha campanha: vamos mudar o sistema de governo. Vamos acabar com o poder centralista em que o poder está na mão de dois ou três.

Creio que aquelas palavras vão mais no sentido de o senhor ser uma figura de unidade nacional - o maun bo’ot [irmão maior] -, que não se devia meter em questões partidárias:
Em certa parte, acho que ele não tem razão. Posso dizer que, como estive fora dos partidos durante cinco anos, como Presidente da República, eu conheço a correlação de forças políticas. Envolvi-me na criação de um partido para aumentar a capacidade da oposição ao actual Governo. Não foi por interesses pessoais. Senti que havia uma brecha que devia preencher. O CNRT é um partido situacional, não é um partido tradicional.

Vai durar quanto tempo?
Cinco ou dez anos.

Recorda-se de chorar debaixo de uma árvore num congresso do antigo CNRT quando, depois da libertação de Timor, percebeu que tinha mesmo de lider?
Muito bem. Lembrei-me de um amigo chamado Prakash, um empresário moçambicano que me acompanhou desde a prisão de Salemba até aqui a Timor, tentando ajudar-me a mim e a todos os companheiros a fazer um plano para apresentar às Nações Unidas. Houve um momento em que ele pediu que aceitasse a liderança, no congresso do [antigo] CNRT. Mas o maior problema era a Fretilin que ia abandonar a CNRT. De modo que chorei de tristeza porque queria deixar a liderança para os outros e por sentir que, na hora de tomada de decisões em prol do povo, existiam já divisões.

Era assim tão complicado receber a liderança?
Ainda hoje continuo a ter em mente o juramento feito aos guerrilheiros, várias vezes, entre 1985 e 1989, de não assumir nenhuma posição de poder.

Acha que quebrou esse juramento?
Acho que sim. Em Agosto de 2000, quando saí das Falintil, fiz a mesma coisa. O brigadeiro Taur [Matan Ruak] disse, no discurso de resposta, que eles representavam os guerrilheiros tombados e sobreviventes. E pediram-me para quebrar o juramento. Isto é válido, mas, em termos de princípios, sinto que tenho uma dívida impagável.

Por que aceitou ser Presidente da República. Foi empurrado?
Fui empurrado mas não pelo povo. Falei com a população em 2000 e 2001 e disse-lhes que não queria, porque a situação tinha mudado. Era tempo de governar, não de lutar. Mas algumas entidades internacionais pressionaram-me muito: Koffi Annan, Colin Powell, Jorge Sampaio, e o actual presidente indonésio [Susilo Bambang], em representação de toda a TNI [exército indonésio] e e em nome da então Presidente Megawati [Sukarnoputri]. Mas também o primeiro-ministro japonês e australiano, só para falar dos mais importantes.

Isso foi tudo mais forte do que o juramento?
Foi. O problema não era só ser Presidente de Timor-Leste. O actual Presidente indonésio [Bambang] disse: «Por favor, vá cinco anos porque só assim é que nós confiamos que as relações entre Timor e Indonésia podem ir pelo bom caminho.»

Eles não confiavam em mais ninguém?
A mim disseram-me isso. Pelo menos, cinco anos. Colin Powell disse-me o mesmo. Em 2005, já ele tinha saído das suas funções [de secretário de estado norte-americano], encontrámo-nos na Tailândia e tivemos uma conversa de amigos. Disse-lhe que estava a cumprir o que me pediram, mas só aqueles cinco anos. Para não tentarem interferir de novo?

Agora aparece a disputar o poder executivo. O que mudou neste tempo?
O poder não serviu o povo e eu não me sentia bem. Muita gente ia bater-me à porta na Presidência e dizia-me: «Ainda te lembras de mim?» Quando fazia visitas ao interior, aparecia sempre alguém: «Presidente, hoje tens casa, salário, carro, segurança - já estás bem.» Eu não devia pedir desculpa pelos benefícios que tinha, só que depois havia mais ainda: «Não te invejamos, só te pedimos que não te esqueças de nós.» Esta governação trouxe um desastre para o País. Depois da crise no ano passado, achei que devia avançar e incutir um novo sistema e um novo espírito de governar. O que existe falhou.

O lema do seu partido («Libertada a pátria, libertemos o povo») indicia que a luta ainda não acabou
Ainda não. Tenho tido diálogos com os veteranos da organização clandestina e eles perguntam por que estou a fazer isto. Eu digo-lhes que, mesmo antes de ser Presidente, já me convidavam de fora para ir a conferências. Pagavam-me o avião, o hotel e davam-me um honorário. Podia viver lindamente com isso. Mas eu sinto-me sempre em dívida com eles. Também recebo muitas cartas.

Lê todas?
Tenho de ler. Sabe o que dizia uma delas? «Você diz isto e aquilo, mas quem nos garante que, quando ganhar, não vai ser igual aos outros?» No outro dia, uma senhora perguntou-me se «isto era só para ganhar votos».

Será que o ex-comandante é hoje um político que suscita a dúvida?
Pode ser visto assim. Mas se não houvesse confiança, ninguém dizia nada, ninguém aparecia. Nesta longa viagem [de campanha, durante um mês, no país inteiro], tenho constatado que as pessoas estão fartas desta situação e à espera desta oportunidade. Elas só estão a lembrar-me que não querem a repetição dos mesmos erros.

Dorme bem?
Bem... devo dizer que, com a experiência do mato, durmo sempre apenas quatro horas e meia. Mas tudo isto afecta-me muito. A minha experiência como Presidente tornou-me num bom analista: os partidos de oposição não lidam com o Governo e o Parlamento também não fiscaliza [o Executivo], porque a maioria Fretilin não deixa que se mude um ponto ou uma vírgula.

O Parlamento foi inútil?
Foi mais ou menos isso. [A maioria Fretilin] muda as leis conforme quer, tudo em seu benefício.

Era a única pessoa que podia fazer oposição?
Não era bem uma oposição ao Governo. Mas era a única pessoa que podia mobilizar a população para se opor ao Governo. Em 2005, houve as grandes manifestações da Igreja. Quase um ano antes da crise. O que se estava a gritar naqueles 19 dias e 19 noites era a frustração geral do país. Queriam que Mari [Alkatiri, primeiro-ministro] deixasse o Governo. Claro que os partidos também se associaram àquele movimento, não fisicamente, mas dando apoio moral. Eu tive uma posição contrária. Fui dizer que a nossa jovem democracia (até mais do que isso, ainda em embrião) não podia deixar que o poder popular das ruas abrisse precedentes negativos. Tínhamos de seguir a Constituição e que a população se apercebesse das falhas do sistema e, nas eleições de 2007, cumprisse as suas aspirações. Agora que saí, incluo-me, porque já sou um cidadão normal, na linha da oposição.

COMO NASCE UMA CRISE

«Pensaram que podiam ser comandantes mas assustaram-se»

Durante a crise política, institucional e militar de há um ano, foi actor de «uma brincadeira», estou a citá-lo, «para ver quem tinha mais poder»?
Foi um bocado isso. Essa frase foi dita durante a crise. Mas já em Janeiro em 2004 forças de Lospalos saíram do quartel, andaram aos tiros, assustando a população e intimidando os jovens, e assaltaram um posto da polícia. A população levantou-se e disse «estas não são as nossas forças». Eu propus que se formasse uma comissão e dela fizeram parte seis ou sete pessoas da comissão de defesa do parlamento, fizeram os titulares das pastas de Defesa e da Polícia e eu próprio. De Fevereiro a Agosto, ouvimos soldados, oficias, a população, cada aquartelamento, pequenos e grandes, fizemos um raio X das nossas forças e apresentámos um relatório com recomendações.

A crise começou em 2004?
Sim. Nessa altura, percebemos que, no final de cada mês, imagine-se, os soldados que estão numa ponta da ilha (Leste, Lorosae) recebem o pré e depois vão visitar a família para entregar o dinheiro na outra ponta (Oeste, Loromunu). Apanham o autocarro para Díli, outro para o seu distrito e depois para o subdistrito? Mas a horta não está feita, ajudam um dia ou dois e regressam tarde aos quartéis. Pela acumulação dessas faltas, vão sendo expulsos. Pedimos para corrigir o sistema: dêem esse dinheiro aos administradores dos subdistritos e os familiares vão lá recebê-lo. Não fizeram nada. Mesmo antes dos peticionários, expulsaram quarenta e tal, mas calei-me para não exaltar os ânimos. Como era só uma voz aqui e ali a protestar ninguém ligava.

Só que os 40 passaram a seiscentos.
Em Agosto de 2004, entregámos as recomendações com regulamento militar, promoções, recrutamentos, tudo? Periodicamente, no Conselho Superior de Defesa e de Segurança e eu insistia: «Quando é que isto aparece? Quando é que isto aparece? Quando é que isto aparece? Quando?» Nada. Em Janeiro de 2006, surgiu o caso dos peticionários e apontei a ineficiência do titular daquele órgão, o senhor Roque Rodrigues. Às tantas, tive de pedir ao primeiro-ministro um novo titular da Defesa e do Interior porque os dois revelaram falta de cuidado pelas instituições de que eram responsáveis. Só depois destes problemas é que começou a aparecer o regulamento e uma lei ou outra. Mas a crise já tinha rebentado.

Sentiu-se impotente quando viu um terço das forças armadas desertar?
Em 2002, houve um capitão que abandonou as forças, levou a arma e disse: «Não me tiram.» Como comandante supremo, pedi-lhe para reingressar e assumi a responsabilidade de o expulsar se manifestasse indisciplina. Hoje é major. Se, nos 600, tivesse capacidade de intervir, era o que teria feito. Mas senti-me impotente.

Há, de facto, uma cisão Loromunu/Lorosae?
Nunca existiu. O que houve foi uma consequência da crise que se tornou na normalidade das conversas. Mas tende a desaparecer.

Foi também a projecção de ódio e violência entre dois blocos de uma ilha...
... Por causa da incapacidade de reter aquelas 600 pessoas. Era demasiada gente. Contemos que, por detrás de cada um, há uma mãe, filhos, tios, primos? Como a nossa economia anda, as migalhas de um são distribuídas por todo o mundo. Isto teve um impacto social e depois político. Mas o que mais ofendeu foi uma alegada afirmação: «Vocês, de Loromunu, não lutaram.» Isto terá sido dito por uma pessoa da instituição militar, chegou aos ouvidos de todo o sector Oeste e provocou um sentimento político de contestação.

Há alguma verdade naquela alegada afirmação?
[Nesta campanha], fui a Fato Berliu [distrito de Manufahi] e um casal levou-me de propósito a uma casita , que, nos tempos da ocupação, era um posto indonésio. O homem era técnico de electricidade e tomava conta do gerador. Os militares e os polícias dormiam em dois quartos e o casal num outro, muito pequeno, com uma casa de banho, onde esteve escondido o brigadeiro Ruak. Uma guerrilheira que nos acompanhava também esteve lá, o major Ular esteve lá, e um outro soldado, chamado Nixon, esteve lá. A senhora ficava lá fora a vigiar e os indonésios perguntavam: «Não dorme?» Ela dizia: «Estou com muito calor, vou ficar a apanhar ar fresco». Agora, o casal quis mostrar que também participou na luta. É um distrito Loromunu.

Palavras suas: «Timor é um caso de sucesso que acabou em 20 de Maio de 2002.» Ainda há espaço para o sonho?
Vamos reabrir isso. Tenho esperança de que volte a ser um caso de sucesso.

Tem consciência de que a comunidade internacional e as opiniões públicas mundiais, mesmo a portuguesa, estão a desistir de Timor-Leste?
Tivemos essa consciência, logo após os primeiros assomos dos dinheiros do petróleo, de que não seríamos o eterno pedinte. Há regiões do mundo que estão a precisar mais. Se o CNRT implementar bem os programas, em muito pouco tempo, Timor-Leste pode passar para a comunidade dos doadores. É uma dívida para com o mundo e esse também é um sonho que se vai realizar.

Estas eleições vão ser pacíficas?
Estão a ser.

Há relatos de incidentes, o próprio CNRT já teve um morto na sua campanha.
Se aquilo tinha a intenção de nos intimidar, nós continuámos. Qualquer pessoa que pensasse que isto iria ter um efeito negativo para o nosso lado sabe que só teve para o outro. A Fretilin, para se libertar desse efeito negativo, acusa os outros. É uma reacção psicológica de pessoas de um partido derrotado.

Quando estas coisas acontecem, dá a ideia de que os timorenses são violentos.
É isso que estamos a corrigir a imagem que outros deram de Timor-Leste.

Esteve Timor, há um ano, à beira da guerra civil?
Acho que não. Aqueles que pensavam que podiam ser comandantes, assustaram-se. Pertenciam todos ao mesmo grupo de poder, eram inexperientes, foi algo que fugiu do controlo deles. Para haver guerra civil, tem de haver duas forças bem comandadas. E o grupo do Alfredo [Reinado, que desertou com armas, em contestação ao Governo] não constitui uma componente que se enquadre nisto.

Mas houve confrontos entre exército e polícia.
Não misturo os peticionários com o grupo do Alfredo que saiu, segundo ele diz, por insatisfação perante as decisões tomadas. Esses têm armas, os peticionários não. Guerra civil? Deu essa impressão por causa daquela frase que referiu há pouco: nós andávamos a tentar provar quem mandava. Quando a missão militar da ONU estava a acabar, era preciso um projecto-lei ou um acordo de passagem para que o Presidente da República passava a ter maior capacidade de intervir na Defesa. E tinha de se insistir com o Governo da República, que deixava, mastigava, ruminava? e todos nós a ver que o momento se aproximava. Mas deixou tudo para a última hora e já não havia mais tempo para discutir. A ONU, profissional como é, disse que ia partir. «É amanhã que está marcado fim da missão, é amanhã que vamos embora.» O Governo, entretanto, quis colocar o primeiro-ministro como co-comandante supremo das forças armadas e eu fechei os olhos a essa iniciativa. Mas ela revelou-se depois no 28 de Abril (o dia em que a contestação se descontrola).

O que se passou?
Nesse dia, cheguei ao gabinete e recebi um telefonema do primeiro-ministro: «Presidente, ontem (27) falei com Gastão (Salsinha, um dos líderes dos peticionários), disse-lhe que não podia aceitar as exigências dele, mas ele, cabeçudo, não-sei-quantos, é melhor o senhor falar com ele.» Chamei o Gastão e pedi-lhe para parar a manifestação. Eles queriam suspender o brigadeiro, coronéis e mais não sei o quê. Por causa deles, cheguei a insurgir-me contra os meus antigos comandantes, mas uma questão destas não se podia resolver com manifestações. Teria de passar por um processo muito maior. «Diz aos jovens (os jovens é que estragaram isto tudo, não foram os peticionários) para aguardarem porque o ministro [Ramos] Horta vai falar com eles, manda tudo para os subdistritos e só os que assinaram a petição é que ficam para responder à comissão (que se estava a criar para lidar com este caso). Ele concordou.

O que correu mal então?
Fui ao Hotel Timor para uma cerimónia de posse do Fórum dos Empresários e, à uma hora, aquilo aconteceu (a manifestação rebentou). Disse ao primeiro-ministro que ia para o Palácio das Cinzas [Presidência] e esperar a acção que os jovens iam tomar. Ninguém me contactou mais. No dia 29 de manhã, era um sábado, a minha segurança informou-me que tinha havido um tiroteio para os lados de Comoro e do aeroporto na noite anterior. Chamei o superintendente da polícia, Paulo Martins, e perguntei-lhe que tiros tinham sido aqueles. «Não fomos nós», respondeu-me. «Foram as forças [Forças de Defesa de Timor-Leste]. Às quatro horas, o primeiro-ministro chamou-nos e dividiu-nos, forças e nós [polícia] pelo aeroporto, rotunda de Comoro e Tassitolo.» Liguei logo ao primeiro-ministro: «E eu não sei de nada? Vocês não me consultaram?» Disse-me que tentaram mas que o telefone não funcionava... «Epá, eu estive aqui até à noite, de sua casa, no farol até aqui, Caicoli, são 5 quilómetros, por que não mandaram ninguém?

Sentiu-se traído?
Foi então que percebi que a questão do co-comandante era para mostrar quem mandava.

Terá havido ingenuidade da sua parte?
Acusam-me agora de ser o Presidente que era oposição. Mas queria que o Estado sobrevivesse, pelo menos, durante os cinco anos, para que o sistema eleitoral fosse uma exigência da nossa vida política para o futuro. No meio da crise, recebi pedidos para dissolver o Parlamento e demitir o Governo. Pessoalmente, às vezes, sentia que se pudesse teria-o feito.

Faria hoje tudo igual?
Sim. Para salvaguardar a Constituição. Aprendi com [Jorge] Sampaio o que é a solidariedade institucional. Eu nunca fui formado para ser Presidente, fui aprendendo a sê-lo.

CATÓLICO E ANIMISTA

«A Natureza facilitou a minha salvação»

Durante a crise, não sentiu a tentação de voltar a ser o comandante e mostrar que era o senhor que mandava?
Sim. Mas o anjo da guarda sempre me disse que era melhor não.

Foi o anjo ou o Agio (Pereira, chefe de gabinete do ex-Presidente e também do actual, Ramos-Horta)?
Foi o anjo.

É muito católico?
Os padres sabem. Vou à missa, não por conveniência. Sei, de pequeno, que tenho esse dever. E cumpro-o.

O guerrilheiro místico acredita no Rai Timor, as forças da Natureza que os protegiam na luta?
Acredito. Em 1984, vi com os meus olhos uma granada rebentar no corpo de um guerrilheiro (Baimeta). Abandonámos o local de combate e depois mandámos dois ou três para o enterrar. Então ele apareceu. Estonteado mas vivo. E continua vivo. Temos um comandante, Samba, que agora está um pouco fora de juízo, que na frente, recebia as balas de pé e, quando inimigo esgotava o carregador, aí é que ele pegava na arma e gritava: «Quem de vós?». A Natureza facilitou a minha própria salvação, tanto que o inimigo dizia que me transformava em porco, em pedra. Quando sabiam que estavam num território meu, eles descarregavam as armas nas pedras, reviravam tudo, disparavam para as árvores, porque eu podia ser um desses elementos.

Aparentemente, o inimigo também era animista.
Bom? o exército indonésio não é o exército alemão?

O animista é compatível com o católico?
É. O desenvolvimento industrial está a destruir as forças da Natureza. Elas têm influência no comportamento humano e animal. O animismo não apareceu por acaso. O cristianismo, na nossa sociedade, em componentes intelectuais tem uma percepção, nas mais tradicionais tem outra. Não podemos abstrair-nos de nenhuma vivência. Se o fizermos, deixamos de compreender o povo.

É ambientalista também?
Sou. Se não tivesse criado o CNRT, teria feito um partido verde. Só não sou sportinguista.

RAILÓS E O PROCESSO DAS ARMAS

«Governo fazia escutas à Presidência»

Quando ouviu, pela primeira vez, a acusação de que membros do Governo estavam a distribuir armas por civis?
Rumores havia muitos.

Acreditava neles?
Tentava não prestar atenção, queria provas. No dia 24 de Maio [de 2006], o meu chefe de gabinete recebeu um telefonema de Railós [o homem que afirmou ter recebido armas de membros do Governo para abater adversários políticos] a dizer que havia civis armados pelo Rogério [Lobato, ex-ministro do interior, condenado a sete anos e meio de prisão no âmbito deste caso]. Recomendei-lhe que não respondesse à chamada porque o nosso sistema de Governo é tipo KGB: ouve as conversas telefónicas dos adversários políticos.

O Governo escutava as conversas da Presidência?
É preciso uma auditoria para comprová-lo, mas toda a gente sabe disso. De modo, que mandei parar o contacto com Railós. Através da rede clandestina mandei investigar se era verdade que ele esteve em contacto de fogo com as FDTL. E era. Aí ficou provado que os rumores eram verdadeiros. Antes disso, por causa desses rumores todos de distribuição de armas a civis, o Paulo Martins [da polícia] veio pedir-me uma recomendação sobre segurança a propósito do congresso da Fretilin [de 17 a 20 de Maio]. Disse-lhe que o congresso podia estar rodeado por armas, que o partido ou o Governo tinha bloqueado as ruas com contentores. Disse-lhe também para não se preocupar com a segurança da parte exterior, mas era melhor preparar gás lacrimogénio: «Não te preocupes com ataques da parte de fora, se a Fretilin Mudança [facção do partido que disputava a liderança contra Alkatiri] ganhar, vai haver sangue. Ao primeiro tiro que oiçam de uma arma que não seja da polícia, atirem o gás para evitar derramamento de sangue.

A rede clandestina ainda está operacional?
Está em termos de camaradagem, troca de impressões e de dados. Não é uma rede de informações, mas ajuda. De modo que mandei o Railós a minha casa. Veio no dia 4 de Junho, com o seu grupo, com fardas da polícia e armados, e com o padre Juvêncio [pároco de Liquiçá]. Quando se sentaram, o Railós mostrou-me um SMS de Mari [Alkatiri]: «Camarada Railós, para onde é que vais?»

Railós diz que recebeu chamadas de Rogério Lobato à sua frente. É verdade?
É. Uma vez, o telefone tocou e era o Rogério a dar instruções. Mas não pude seguir muito bem a conversa porque o Railós não podia ser visto pelos polícias que protegiam a minha casa, até porque ele tinha dito ao Rogério que andava à procura dos peticionários em Liurena [Liquiçá]. Tive que montar guarda e pedir às crianças para não gritarem, não falarem em inglês, os cães? um rodopio. Mas confirmava-se uma ligação de serviço e que durou mais de meia-hora. Estava todo atrapalhado. Até que passou um polícia - «boa noite Presidente». Estava tudo estragado.

O que o levou a acreditar tanto em Railós?
Se ele me tivesse aparecido em casa, desfardado, sem armas, sem uma conversa com o Rogério em minha casa, sem um SMS do Mari? Mas tudo isto bastava-me para fazer uma ligação.

CONSELHO DE ESTADO ESCALDANTE

«Ou sai o senhor ou saio eu»

O que fez a seguir a tomar conhecimento da distribuição de armas a civis?
Convoquei o conselho de estado [21 de Junho], mandei que todos vissem o programa da ABC australiana [sobre o processo das armas em Timor] e perguntei o que tinham a dizer. A resposta de Mari Alkatiri foi: «Eu não sei de nada.»

Acreditou nele?
Disse-lhe que acreditava. Mas também lhe dei conta de que eu já tinha falado com Railós. E que ele me contou que, no dia 24 de Maio, telefonou ao Rogério e também falou com Mari. Ele respondeu: «Ah sim, soube a partir daí e pedi ao Rogério para desarmar os tipos, mas ele não cumpriu as ordens.» Mas foi em 24 de Maio? Ele repetiu: «Dei instruções ao Rogério, mas ele não cumpriu.» Continuei a dizer que acreditava, mas depois falei-lhe do SMS de 4 de Junho. Então, ele não se lembrava das datas. Tudo bem, eu acreditava. Depois dei-lhe uma data falsa para situar um encontro de Railós na casa de Mari e ele corrigiu-me: «Não foi a 3 de Maio, foi a 8.» Ok, continuei a dizer que acreditava: «Mas a partir de agora, lembre-se das datas.»

Aparentemente, acreditava mas pouco...
No Conselho Superior de Defesa e de Segurança, o brigadeiro Ruak sempre afirmou que os peticionários não levaram armas, se levaram foram apenas duas ou três granadas. No dia 24 de Maio, Mari soube que foi o Rogério que armou civis. De 24 de Maio até ao Conselho de Estado, de 21 de Junho, pairou no ar a ideia de que os peticionários levaram armas e que a polícia distribuiu armas a civis. A verdade é que os peticionários não as tinham, a polícia não esteve envolvida em combates e os civis foram armados pelo Rogério.
Quando se fez uma conferência de imprensa a solicitar a intervenção da Austrália, enquanto o ministro Horta falava, em inglês, disse a Mari: «Ouvi dizer que o L7 [um ex-comandante da guerrilha] vai apresentar-se com umas centenas de veteranos civis em Metinaro [centro de instrução das FDTL]. Será isso verdade?». Ele respondeu-me que foi uma chamada do brigadeiro Taur. «Diga ao brigadeiro para evitar armar civis, senão é o descontrolo total.» 24 de Maio: enquanto estávamos a decidir sobre as forças internacionais, este grupo entrou em combate em Tassitolo com as FDTL. De modo que, depois, no Conselho de Estado, tive de dizer a Mari: «O senhor esqueceu-se de avisar o brigadeiro Ruak para não armar civis, não atacar o quartel da polícia e assim evitar um massacre?» Ele excedeu-se e soltou-se. «Se eu não tivesse dito mais vezes, o Ruak teria mobilizado mais de 500 pessoas. Se eu não tivesse tentado reduzir?» E eu contestei. «Não, o senhor, como chefe do Governo, só tinha essa responsabilidade. Dizer ao Ruak que o problema não era dos peticionários. Era uma decisão errada do seu ministro. O seu ministro é que deu fardas e armamento da polícia. Teríamos evitado mais sangue.»

Tudo isto não era motivo para exonerar o Governo?
[Ainda no Conselho de Estado, de 21 de Junho] Disse a Mari: «O senhor teve a lata, nos nossos encontros, de falar-me do Railós sem mencionar o nome dele, referindo-se a civis armados em Bazartete, não me informou nem uma vez. E ainda tentou impingir-me a responsabilidade de desarmá-los – “senhor Presidente, estes civis armados, tem de se dizer às forças internacionais para caçá-los”.» Disse-lhe mais: «Lembre-se de que, quando tocava no assunto dos civis armados, eu adoptei a mesma atitude – “vou já pedir às forças internacionais para limpá-los a todos”.» Soube da verdade toda em 4 de Junho, mas fiquei calado até ao Conselho de Estado, à espera: «Senhor primeiro-ministro, a sua responsabilidade é a de informar o Presidente, não é o Presidente informá-lo a si. Só estava à espera de que o senhor fosse mais honesto. Desculpe, se a cooperação entre primeiro-ministro e o Presidente deve basear-se em confiança política, digo-lhe já que deixou de merecer a minha: ou sai o senhor ou saio eu.»

Por que teria de ser o Presidente a demitir-se?
Se quer a realidade de tudo o que aconteceu naquele dia, deixei o Conselho de Estado a discutir, alguns exigiram a demissão do Governo e a dissolução do Parlamento, outros não. Ninguém reconhecia que havia responsabilidade do Estado nesta crise.

Então era de quem?
Não sei. O problema era esse. Ninguém reconhecia. Não aceitei a opinião da dissolução do Parlamento e marcação de eleições: era uma complicação enorme. Não aceitei a ideia da demissão do Governo porque era outra confusão. Se o Governo e o Parlamento, nem ninguém assumia responsabilidades, então assumia-as eu.

Também podia ser encarado como uma desistência da sua parte.
Não. Em Janeiro, fui a Nova Iorque, dali fui para Genebra apresentar o relatório CAVR (Comissão de Amizade, Verdade e Reconciliação). O título desse relatório era: «Chega!». Não mais violência política na nossa pátria. Foi um compromisso dos dirigentes para com o povo: Basta! Chega! Três meses depois, fizemos o povo sofrer, as armas voltaram a cantar a canção da morte. Isto é desistência? É dizer ao povo que há quem assuma a responsabilidade pela morte de pessoas.

XANANA NA LISTA DA MORTE

«O irmão era um dos alvos»

O que imagina que aconteceria se tivesse sido o senhor a resignar em vez de Alkatiri?
O CNRT aparecia na mesma... se me mantivesse vivo.

Correu esse risco?
Sim. O próprio Railós e um outro [Lavadae, de Railaco] também armado disseram-me: «O maun [irmão] era um dos alvos.» Talvez porque Rogério quisesse aparecer como comandante, tomou a decisão errada de mandar Railós para Tassitolo. Foi o erro táctico deles. Às vezes, a guerra ganha-se com uma vitória táctica.

Por que foi um erro?
Porque a missão de Railós era a de perseguir a Fretilin Mudança, os líderes da oposição e o Presidente da República nas eleições de 2007. Não antes.

Terá alguém substituído Railós nessa missão?
Não sei, mas ainda há armas e civis armados em Ermera, em Díli e noutros distritos. Se o CNRT ganhar, vou convidá-los todos a entregar essas armas. Ainda não mataram ninguém, só aterrorizaram a população.

ISOLADO NA CRISE

«Só lamento que em Portugal não tenha tido o benefício da dúvida»

Esteve Mari Alkatiri directamente envolvido no processo das armas?
Não posso pronunciar-me nesse sentido, já que o Railós também não pode determinantemente afirmar que esteve sob as suas ordens. Mas o Mari, quando o tribunal decidiu arquivar o seu caso, exigiu-me elegantemente um pedido de desculpa. A elegância é tanta que se esqueceu que não fui eu que o pus em tribunal. Foi o Rogério que, na primeira audição, disse que o Mari sabia de tudo do princípio ao fim. Depois, na segunda audição, desmentiu. Nunca o mencionei como responsável, só mencionei a responsabilidade do Estado. Ele estava a comandar as forças e a polícia, ele que assumisse a sua quota.

Quando viu Alkatiri pela última vez?
Encontrei-o no acordo que os partidos assinaram para estas eleições. Chamou-me para um café: «Em termos pessoais, somos amigos.» Mas recusei: «Tenho muito trabalho.» Ele ainda disse: «Vais trabalhar para o CNRT.» E eu respondi: «Seu malandro...» Nós brincamos. Mas em política, diferenças são diferenças e nós temos uma que não diria inconciliável mas que é firme

Ainda são amigos?
Sim.

Quem o ouve Xanana nos comícios não acredita. Chama-lhe de tudo: déspota, corrupto, inimigo do povo – quem precisa de um amigo assim?
Sim, sim... Mas a amizade vai além disso. Somos amigos, cumprimentamo-nos. Há muita «fingidice» nos líderes timorenses. E se me quiser colocar no grupo eu também sei fingir. Sei rir para aqueles que sabem rir. Mas eu conheço-os.

Na altura da crise, isolou-se no gabinete, não atendia chamadas, não respondia a pedidos de entrevistas. Porquê?
Foi estratégia. Não entro em batalhas de propaganda. Em 24 anos, a propaganda indonésia era muito mais sofisticada do que a do Mari. E a nossa resposta não era em palavras, era em acção.

Mesmo correndo o risco de a sua imagem poder ser deturpada?
Só lamento que em Portugal não tenha tido o benefício da dúvida.

Foi-lhe dada essa oportunidade, pelo menos em pedidos de entrevistas.
Pois, mas houve amigos que me disseram que, por tudo aquilo que fiz, acreditavam em mim

A ideia que prevaleceu na opinião pública internacional, nomeadamente na portuguesa, foi que o primeiro-ministro caiu porque o senhor viu um documentário na TV australiana...
Bom... Em Portugal, os deputados não lêem os jornais e colocam os problemas? Desculpe só um bocado. Diga aos jornalistas portugueses e à opinião pública que nunca fui deputado, mas sigo os parlamentos australiano, indonésio e a assembleia portuguesa. Os deputados lêem as coisas e perguntam: «Como é que é?» Foi a mesmíssima coisa que eu fiz.

O programa tinha a credibilidade suficiente para um momento tão crítico?
Se no Conselho de Estado o primeiro-ministro me tivesse provado a 100% que não sabia de nada, que não tinha nada a ver com isto? Mas se ele encobria informações qual a confiança que eu podia ter?

Mas não seria...
... Não seria o quê? O que é que valia mais? Preservar a amizade com o primeiro-ministro ou respeitar o sofrimento do povo?

Estava a tentar referir-me apenas à parte da comunicação. Não seria pelo menos mais convencional o Presidente assumir a informação, porque já a tinha, em vez de a atribuir a terceiros?
[Pausa] Depende. Se eu quisesse levantar os problemas, se eu quisesse estar em guerra com o Governo, logo em 2002, teria estado. Mas eu sei o que é a solidariedade institucional. Aprendi com (Jorge) Sampaio. Eu nunca fui formado para ser Presidente, fui aprendendo a sê-lo. Se Mari caiu, foi porque quis. [No Conselho de Estado] afirmei: «Hoje, decido, eu assumo a responsabilidade.» Ele ficou parado, eu arrumei as coisas, já estava de pé para me ir embora, e então disse-me: «Senhor Presidente, entre nós dois, saio eu, mas ainda tenho de perguntar ao partido.» Não aceitei: «Escusa de perguntar, eu assumo.» Já estava no meu gabinete quando Lu Olo [presidente do Parlamento] veio ter comigo: «Mari falou com honestidade, oiça-o por favor, não saia ainda.» Fiquei à espera da demissão. À tarde, Mari disse que não se ia embora. A característica dele é a desonestidade política. Agora, acusa-me de fazer uma falcatrua de 28 mil dólares na Presidência.

O que é que aconteceu a esse dinheiro?
Vou para fora, compro prendas para oferecer aos presidentes e primeiros-ministros, faço lóbi junto deles para que continuem a enviar dinheiro para o Governo gastar. E, no fim, dizem que não pagam. «Não faz mal, eu pago.» Também paguei a manutenção dos carros da Presidência que o Mari tinha decidido entregar aos veteranos. Na altura, agradeci-lhe meia-hora em nome deles. Mas tinham vindo uns Tatas – é um carro indiano que a corrupção das Nações Unidas meteu cá, porque o director de aprovisionamento da ONU de cá foi depois trabalhar na fábrica da Tata na Índia. De modo que ficámos aí com um cemitério de Tatas. Depois, Mari disse que os veteranos estragavam os carros todos - «Entra um Pajero e sai um Tata, um Tata sai Land Cruiser» - e aí demorei meia-hora a pedir desculpa. Combinou-se que eu ia mandar os carros para uma oficina melhor, mas, no final, ele disse que não pagava porque a oficina que repara os carros do Estado é a dos veteranos. «Não faz mal, eu pago.» Acabei por saber, através do brigadeiro Ruak, que investigou a situação, que era um sobrinho de Mari e um malaio que jogavam com isto tudo: iam buscar peças aos Tatas, trocavam uma roda e faziam uma factura enorme. Em seis meses, levaram mais de um milhão. O malaio quis fugir mas o birgadeiro foi buscá-lo ao aeroporto: «Meu amigo, você não se escapa.» Duas semanas depois, soube que alguém o ajudou a fugir pela fronteira. Ruak exigiu do primeiro-ministro uma investigação mais de três vezes a isto tudo. Onde está a transparência? Ele diz que falta dinheiro na Presidência. Mas eu paguei e não piei.

O PESO HISTÓRICO DA FRETILIN

«Na Perestroika dei todos os pulos que pude»

Esta sua candidatura é também um ajuste de contas com o passado?
Quando mudei a política (despartidarização da Resistência), em 1986, acusaram-me de matar a Fretilin. Afectou-me no início mas depois vivi com isso. Quando a Fretilin saiu do CNRT isso é que foi um ajuste de contas de Mari em relação àquilo que eu fiz há vinte anos.

Com outra direcção, teria voltado à Fretilin?
Em Maio de 2000, fizeram a primeira conferência em Timor e foram convidados os dois únicos sobreviventes do comité central de 1975: eu e Mahuno. Pedi para reverem o caso de Xavier [do Amaral, primeiro presidente do partido], porque ele não foi traidor e assim recuperaríamos o nome de todos aqueles que a Fretilin matou por causa da rede de Xavier, que nunca existiu.» Matámos muitos. Era preciso pedir desculpas ao povo [pela guerra civil de 1975]. Tudo o que a Fretilin fez de bom, entre 1975 e 1986, eu reclamo para mim também e tudo o que fez de mal, se eu fugir das responsabilidades, eles devem exigir-me que eu assuma a minha parte.

Individualmente, pesa-lhe alguma coisa na consciência?
Pergunte aos outros se matei alguém. Quando metiam apodetis [pró-indonésios] na cadeia, eu tirava-os. Estávamos numa guerra de quem mete e quem tira. Não me vou gabar das vidas que salvei, mas assumo as responsabilidades pelos erros colectivos. Ora bem, até agora não aconteceu nada. A Fretilin saiu do CNRT, em 2000. Foi o reajuste de contas, o retomar de uma política de hegemonia ou de exclusividade em termos de independência e libertação da pátria. Mari ficou muito chateado por eu ter autorizado as miúdas [uma manifestação, em 2001]. Eram filhas de militares muito bons que foram mortos por não aceitarem a ideologia marxista. Depois da saída da Fretilin do CNRT, eu disse a Mari: «O senhor tem uma memória de galinha, esqueceu-se daquilo que lhe pedi [das desculpas ao povo]. Tem medo de alguma coisa? Não deve ter medo. Basta uma decisão do comité central e eu vou percorrer isto tudo a pedir perdão. Você pode declarar alto e bom som: eu, Mari Alkatiri, tenho as mãos limpinhas? 24 anos de Maputo, de manhã à noite, lavo com sabão. Quem tem as mãos sujas de sangue é o Xanana.» Hoje, eles retomam a prática política da liderança de 1975. Por causa da exclusividade do pensamento, os outros são todos inimigos. Para eles, guerra e violência é guerra e violência revolucionária. Conheço a Fretilin. Conheço-a melhor do que muitos que lá estão.

É essa Fretilin que se propõe derrotar agora?
Sim. O mundo evoluiu tanto que, nós, no mato, nas discussões que fazíamos de 1983 a 1986 dizíamos assim: os nossos aliados socialistas estão a olhar para nós e devem dizer que somos parvos e estúpidos. «Vão morrer por uma revolução mas não sabem ainda que... não dá.»

Foi em 1986 que percebeu isso?
Esses que hoje falam nunca me mandaram uma palavra a dizer se concordavam com as minhas decisões. Tive de pensar e amadurecer aquilo tudo com os guerrilheiros, durante meses. Às vezes, sentíamos que as nossas decisões podiam ser contraproducentes. Pensávamos, pensávamos, pensávamos. Pedíamos opiniões deles [dirigentes no exterior] e nunca recebi uma linha. Uma vez mandei um documento para fora a reconhecer os nossos erros. Bradaram: «Não, nós somos os mais santos, nunca cometemos erros.» Felizmente, José Eduardo dos Santos foi a França e disse: «Nós cometemos erros.» Epá? parece que fiz bem em reconhecer os erros. Em 1989, quando Gorbatchov fez a Perestroika, sabe quantos pulos dei? Todos os que eu pude. Se eu não me tivesse antecipado a ele, os indonésios não teriam acreditado. Teriam dito que estava na onda da mudança da conjuntura internacional. Quando saiu a Perestroika, eu disse: «Caramba pá!!!»

Como é que um homem no mato, com pouco acesso a informação, teve essa capacidade estratégica?
O meu maior companheiro era um radiozinho. Ouvia tudo. Seguia Angola, Moçambique, Guiné Bissau. Ouvia BBC, em português e inglês, Rádio Austrália, Deutsch Welle, ouvia tudo o que pudesse compreender. Então, fui-me apercebendo da mudança dos tempos.

Ainda há valas comuns da guerra civil em Timor?
Se existem, ainda não foram encontradas.

Mas acha que existem?
Sim. Falei em 2000 e 2001 sobre isso com os generais mas eles acharam que ainda não tinha chegado o tempo. Estamos agora na Comissão de Amizade, Verdade e Reconciliação, há obstáculos. São questões que levam o seu tempo?

Mas o país está pronto?
Acho que está.

O GUERRILHEIRO

«Não sou o herói que pintam»

Como se posiciona ideologicamente?
Não tenho ideologias. Já tive até 1986: marxista-leninista.

Já tinha visto a foto da sua captura, que lhe foi mostrada ontem [16 de Junho]?
Nunca tinha visto. É uma autêntica relíquia.

Estava a rir-se de quê?
Lembrei-me do momento em que fui capturado. Estava a lavar os dentes, quando ouvi o barulho das botas a entrar e a voz dos soldados. Ainda tentei meter-me no buraco que lá tinha, muito semelhante ao de Saddam Hussein.

Mas com melhor aspecto.
Era mais novo...

Há uma teoria que diz que a sua captura foi uma estratégia vossa?
No momento da decisão, podia combater, tinha uma metralhadora e munições, mas também podia suicidar-me. Optei por não oferecer resistência e rendi-me. Fui preso em 20 de Novembro [1992] e já estava ali há uns 15 dias, a tentar mobilizar a juventude para recordar o 12 de Novembro [massacre de Santa Cruz, um ano antes]. Garanti que, dessa vez, não ia haver nenhum massacre, mas o pessoal estava traumatizado. Não podia voltar ao mato, tinham prendido o meu condutor, o outro condutor que me costumava transportar tinha ido fazer negócios a Kupang. Estratégia? Nada foi deliberado. Deixei correr isso – às vezes deixam-se uns mistérios?

O Xanana é um herói?
Não sou um herói. Sou um homem que aprendi muito na vida e a dar valor aos sacrifícios. Essas pessoas que me abraçam e perguntam se me lembro delas, essas pessoas que me vêm bater à porta e pedem-me 20 dólares, que estão sempre à espera que eu reconheça o seu sacrifício, as que eu encontro por todo o lado e dizem que estou em dívida... Não sou o herói que pintam.

O que é então?
Sou um filho do povo, cresci com o povo e vejo-o sofrer e acho que o Estado devia ter tomado conta dele.

Nunca despiu a farda?
Levo-a na pele. Sabe que sou comandante supremo dos caixas/estafetas da rede clandestina, que continuam a tratar-me assim.

Por que acha que Reinado é visto como um herói por alguns jovens?
Mais por uma questão de justiça em termos de solução do problema dos peticionários. É apenas um jovem que meteu na cabeça que é um herói e que defende uma justiça que não se sabe o que é. É um bocado arrogante e hoje diz uma coisa amanhã diz outra.

Por que é que ele não está preso?
Não pergunte a mim. Nas nossas campanhas não falamos disso. Falamos é da possibilidade real de se produzir uma visão em que o povo esteja unido no mais curto espaço de tempo. O resto são cantigas.

Mato, Cipinang, libertação, funções de Estado e começa a viajar. O que mais o impressionou no mundo exterior que nunca tinha tido a oportunidade de conhecer?
A primeira impressão foi o apoio genuíno das pessoas e dos governos. Como gostava de ler, conhecia já outras culturas e outras paisagens, por isso creio que aprendi mais com contactos e sobretudo aqui na Ásia: Indonésia, Malásia, Singapura, China, Japão. Tentei perceber o que estava na ideia deles. O investimento que o estado chinês fez na juventude: mandou muita gente para estudar fora, apostou na formação e na tecnologia. Hoje, estão preparados. É isto que estamos a assumir como um exemplo. Se não investirmos nesta geração, não temos quadros daqui a 20 anos. Singapura também mandou jovens formarem-se em todo o mundo e, hoje, sem petróleo, sem nada, é um sonho.

O NOVO CNRT

«Só tenho medo de ganhar com 80 por cento»

Que semelhanças e diferenças existem entre o novo e o antigo CNRT?
A semelhança é a mobilização e a confiança que ambas as partes – o CNRT e o povo - depositam entre si. A diferença é que ontem exigi das pessoas sacrifícios, hoje vou tomar conta delas.

Algo que não conseguiu fazer na Presidência.
Não tinha autonomia financeira. Comecei a Presidência apoiando umas pessoas com uns zincos, umas madeiras e uns pregos para fazer umas casas. E o Governo disse: «O Presidente não é para isso.» Criei uma fundação para fazer aquilo que, como Presidente, não podia. O Presidente estava limitado.

Continua a fazer sentido, como é o caso da sua campanha, falar sistematicamente da luta armada?
Continua. Passaram apenas cinco anos [desde a independência]. Seria preciso que toda a velha geração morresse para pensar que já não é preciso falar da luta armada. Se o estado existe, foi por causa dela.

Não se deveria estar a discutir o futuro? O desenvolvimento, a saúde, a educação...
...Desculpe? Desenvolvimento de quem? Em quê? Não é no bem-estar desta população toda, da velha e da nova? O desenvolvimento do país não é uma coisa teórica, à parte do povo. E o CNRT compromete-se, logo no primeiro ano, a dar subsídios a esta velha geração.

E à nova dá o quê?
O CNRT não apresenta um programa aos solavancos: falta ali água, vamos pôr lá água, falta ali uma estrada, vamos lá pôr uma estrada. Isso é o que tem vindo a ser feito. O CNRT quer elaborar um plano de desenvolvimento nacional, que leve, por etapas, ao bem-estar. Hoje, fala-se muito de direitos humanos, de pobreza? muita teoria. Já participei em muitas conferências internacionais, inclusive na própria ONU. E vejo muita teoria. Demasiada. Com custos muito caros que não levam a nada. Vamos fazer de Timor uma realidade com direitos humanos, que são os direitos básicos do ser humano: ter as melhores condições de vida.

Concorda com as propostas de Ramos-Horta, agora Presidente, e que interferem com o futuro Governo?
Quais propostas?

Por exemplo, distribuição de 40 milhões de dólares pelas famílias mais pobres de Timor. Distribuição de dinheiro pelos estudantes, casas para funcionários públicos... Quem lê o programa da Presidência lê quase um programa de Governo...
Se estivermos em sintonia, em termos de princípio, posso dizer que sim. Mas isso não significa que estejamos de acordo em termos de valores monetários. Quarenta milhões de dólares é muito pouco. Se tivermos 200 milhões para gastar, por que não? Pelo menos, que aquelas pessoas terminem as suas vidas mais felizes.

Trata-se dos mais pobres, não apenas dos mais velhos?
Todos os velhos são pobres em Timor.

Estão boas as suas relações com Ramos-Horta?
Excelentes. Foi o meu candidato desde sempre nas presidenciais, o CNRT deu um grande apoio na sua campanha, de modo que as relações não podiam ser melhores.

Tem quadros suficientes no seu partido?
Um partido novo que nasce numa sociedade pequena vai buscar praticamente tudo o que existe: catequistas, acólitos, elementos de organizações não governamentais (ONG), pessoas que vieram de outros partidos. Talvez seja uma vantagem, facilita a formação de um Governo mais tecnocrata.

Outra vez Mário Carrascalão: «Xanana está rodeado por gente do pior que há.» Quer comentar?
Na guerra, também me rodeei por gente do pior que havia. Descalça e analfabeta mas que trabalhou para a libertação da pátria.

A declaração aponta para algumas pessoas da Fretilin Mudança.
Por exagerarmos em menosprezar as pessoas, apontar-lhes o dedo, é que caímos nesta crise. Tem de haver coragem para dizer que ninguém é santo e que as pessoas podem mudar. A política de reconciliação do CNRT, que vem do CNRM [Conselho Nacional da Resistência Maubere] foi reconciliar. Fechar o passado e abrir o presente para que as pessoas se revelem e participem da melhor forma.

Quem financia o seu partido?
Amigos. Tenho-os em todo o lado do mundo, mas eles não querem aparecer.

Não seria mais transparente?
Se eu quisesse ser transparente, ninguém ajudaria o partido.

Vai haver acordos pós-eleitorais, nomeadamente com a aliança Partido Democrático/ASDT?
Veremos. Depende dos resultados. Temos esperança de ganhar, mas ainda não ganhámos. Há vários cenários: maioria simples, maioria absoluta? Tudo está dependente. Tenho falado com todos os partidos de oposição ao Governo da Fretilin O CNRT tem o compromisso de estar aberto, não a coligações, não a alianças, mas a pessoas que pertencem a partidos.

E se perde estas eleições?
Não perco. Só tenho medo de ganhar com 80%, porque afectaria, de certa forma, a democracia. Não perco.


AUSTRÁLIA

«Downer mandou despedir a minha mulher»

O que responde quando o acusam a si, e a Ramos Horta também, como defensores dos interesses australianos em Timor-Leste?
Pura desonestidade política. É politiquice de meia-tigela. É uma sujeira se eu começo a contar isso. Não fui eu que pedi para virem as forças australianas. Foram o senhor Mari, o senhor Roque, o senhor Rogério e o senhor Ramos-Horta que me pressionaram para aceitar.

O acordo com a Austrália, sobre os recursos petrolíferos, foi justo para Timor?
Bem... a gente às vezes quer ganhar de mais, perder de menos. Justo ou injusto, não foi Mari que chamou Austrália de ladrão. Fui eu. Estava a defender interesses australianos? O embaixador australiano estava a aprender português e perguntou-me, à laia de descontentamento: «Presidente, já sei o que é sanguessuga.» Eu tinha ido falar à comissão parlamentar [portuguesa] para os assuntos de Timor e estava lá um jornalista português. Como não se tinha pedido confidencialidade, saiu. Quando cheguei aqui, ouvi logo: «Como está? Já sei uma nova palavra em português.»

Dinheiro do petróleo: é para gastar já?
A resposta é uma pergunta: guardar até quando? Mil milhões de dólares: eu investiria já em infra-estruturas, porque são para benefício do povo actual. A simples poupança não é poupança. Se olharmos para os gráficos de produção de petróleo, estão sempre a subir nos próximos cinco anos. No final deste período, talvez sejam três mil milhões. Qual é o cálculo que fazemos do Bayu Undan? Tinha um tempo de vida de 20 anos, mas depois já eram trinta. Descobriram mais ainda [recursos minerais] e é possível que sejam cinquenta. Isto é só Bayu Undan. Mas temos ainda o Greater [Sunrise], temos os outros, temos aqui dentro... que estupidez não investir o dinheiro que temos agora para benefício desta terra e deste povo. Se fossem mil milhões, saídos do Euromilhões, seria diferente? Nunca joguei, mas quando for a Portugal, vou tentar. A sorte vem quando menos se espera. E desse dinheiro faço um banco de crédito, um banco de desenvolvimento, qualquer coisa - guardar esse dinheiro, bem guardadinho, seria estúpido ou seria parvo.

Vai manter a aposta na língua portuguesa?
É uma questão que leva tempo, mas temos de mudar o sistema de educação. O que recebemos da Indonésia e o que temos agora não ensina as pessoas a estarem preparadas para um emprego. Isso vai demorar cinco a sete anos. Desde que apareceu a primeira universidade privada, eu disse que não servia a juventude. Apareceram mais. São dezassete. E eu pedia: «Regulamentem isso, criem outro sistema de ensino, abram escolas técnico-profissionais, espalhem faculdades pelo território.» Nada, nada, nada.

E em relação à língua?
Tudo vai depender. Numa boa formação profissional, a língua pode não ser assim tão necessária. Numa formação, em termos de ciências, já pode ser.

Não é suposto toda a gente falar a língua oficial?
Temos línguas oficiais e de trabalho. Estamos inseridos numa região em que o inglês é uma língua que toda a gente deve saber também. A questão fundamental da reintrodução da língua é de base. Ela não aparece como meta. O problema está no sistema. Temos mais escolas, mas não se diz que cada escola tem dois professores, que não sabem a língua. Onde é que está a formação de professores da nova geração? Por isso, o CNRT fala de um sistema e das suas lacunas. Eu não quero aparecer como o defensor da língua, quero aparecer como aquele que pega num sistema errado e transforma-o. Aí vamos ver qual é a língua.

Concorda com o aumento do efectivo militar para 3 mil efectivos e dotar as forças armadas de uma frota naval com mísseis?
Nunca estive em nenhuma discussão sobre isso. Há outras prioridades.

A sua mulher disse que a liberdade de Timor foi o fim da liberdade da sua família.
Tenho o dever de falar com eles em português, chego a casa já estão a dormir. Esse é o conceito de liberdade da família: ter tempo para ela.

Já sentiu dificuldades pelo facto de a sua mulher ser australiana?
Nunca. Até o próprio Governo já lhe pediu apoio de 40 mil dólares para um projecto. Ela está a trabalhar na área da saúde, na capacitação de mulheres, sobretudo viúvas, em pequenas empresas, em bolsas de estudo para órfãs, tem feito escolas que o Governo não fez e tem participado em defesa dos direitos da mulher. Vai à Austrália, tenta angariar dinheiro para financiar a sua fundação. Há quem diga que ela tem casas por aí. Só desonestidade.

Há quem diga muito mais: que ela pertence aos serviços de informação australianos.
Sabe como eu vivi depois de sair da prisão de Salemba? Com o salário da minha mulher, como membro de uma ONG. Quando eu disse mal da Austrália, o Alexander Downer [ministro dos Negócios Estrangeiros de Camberra], obrigou a ONG a romper o contrato com ela. E aconteceu. Essas acusações só revelam desonestidade política.

Considera-se um homem livre?
Não. Arrependo-me por vezes da decisão de avançar com o CNRT em defesa do povo, mas quando me encontro com os velhos, eles choram, e eu penso que a minha liberdade é maior do que a liberdade deles.

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