terça-feira, 24 de junho de 2008

Solto, culpado por massacre no Timor se diz arrependido

23-06-2008 16:09:22
Por Pedro Rosa Mendes, da Agência LusaDili,


23 jun (Lusa) - Joni Marques, ex-comandante da milícia integracionista Team Alfa, disse nesta segunda-feira à Agência Lusa estar "arrependido" dos crimes que cometeu no Timor Leste."Não quero que desconfiem de mim ou julguem que eu sou um perigo", declarou Joni Marques, que a Agência Lusa encontrou em um campo de deslocados, na entrada da sede das Nações Unidas, em Dili.O ex-miliciano foi condenado em 2001 por crimes contra a humanidade.Detido após massacres ocorridos em setembro de 1999 no distrito de Lautém (leste do Timor), Marques foi colocado em liberdade em 13 de junho de 2008, após cumprir nem oito dos 33 anos de prisão previstos por sua pena.O crime mais conhecido da Team Alfa foi o massacre de um grupo de freiras, sacerdotes e leigos, que seguia em um veículo de Lautém a Baucau, em 25 de setembro de 1999.Joni Marques disse à Lusa que "não havia plano de matar as madres".O ex-miliciano alega que "estava drogado" pelos oficiais das forças indonésias e, quando montou a emboscada à viatura da diocese de Baucau, não estava consciente."Vinte minutos depois de tomar a droga, perdi o juízo. E aquilo aconteceu. Só três dias depois voltei ao normal e percebi o que tinha feito. Fiquei arrependido e triste", contou Joni Marques."Já disse a madres canossianas que me visitaram que sou culpado e procuro maneira de compensar o que fiz", diz o condenado, que conta que a prisão foi "pesada" porque muitos presos e guardas o insultavam por seu crime. Apesar disso, Marques afirma que nunca foi agredido.Além de Joni Marques, saíram da prisão em 13 de junho outros três envolvidos nas atividades da Team Alfa e condenados no mesmo processo: Gonçalo dos Santos, João da Costa Lemorai e Manuel da Costa.Gonçalo dos Santos, encontrado pela Lusa este fim de semana em sua aldeia, Leuro, nas montanhas a oeste de Lospalos, afirmou que "o passado é passado"."Não penso em 1999. Penso na nova vida. Sou cidadão do Timor e não me vou embora do país", declarou Gonçalo dos Santos, na sua aldeia onde "ninguém faz ameaças".A liberdade condicional foi concedida aos quatro ex-milicianos por um decreto do presidente José Ramos-Horta. Anteriormente, Joni Marques já havia tido sua pena reduzida por Xanana Gusmão.A nova redução de pena, que concedeu a liberdade condicional a diversos criminosos, foi criticada pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos no Timor Leste. No entanto, nenhum dos dois ex-elementos da Team Alfa questiona a medida que os colocou em liberdade."Pessoas da defensoria pública disseram-me na prisão que não havia no mundo nenhum sítio com penas de 33 anos de cadeia", afirmou Joni Marques, instalado no campo de deslocados de Obrigado Barracks (sede da missão internacional), onde sua família está desde 2006.O nome do recinto-sede das sucessivas missões da ONU no Timor Leste é um trocadilho com "obrigado barak", ou "muito obrigado" na língua tétum."Se o julgamento foi justo ou não, não vou dizer. Eu não reclamei com o Estado quando estive preso. Não vou reclamar que estou livre. Lei é lei", declarou Marques, que afirma que, se alguém quiser criticar sua liberdade, "que vá ao Parlamento ou ao presidente da República".

Carreira na milícia

"Eu nunca quis a integração [do Timor Leste na Indonésia], mas o que fiz foi por medo. Em 1999, não fui para a Indonésia como muitos fizeram", explicou Joni Marques.A relação de Joni Marques com os militares indonésios data de 1981, quando ele começou a colaborar com o invasor, dois anos depois de, como muitos outros timorenses, ter descido do monte Matebian, santuário da resistência à ocupação até o final de 1978."Os indonésios queriam matar-me porque eu tinha família ainda no mato. Acusaram-me de ser da Fretilin [guerrilha pró-libertação] e eu não tive escolha senão começar a trabalhar como ajudante de operações", ou, segundo a sigla em bahasa, TBO (tenaga bantuang operasi).Entre as principais tarefas dos TBO estava o carregamento de munições no campo de batalha. Esse também foi o primeiro emprego do major Alfredo Reinado, que morreu ao atacar, em fevereiro de 2008, a casa do presidente José Ramos-Horta, que foi baleado."O TBO era um trabalho pesado e a morte estava sempre à espreita. Estávamos entre dois inimigos e podíamos ser mortos pelos dois lados", explicou Joni Marques.Em 1986, Joni Marques retornou a Lospalos, onde a violência das forças indonésias despertou "a vontade de defender a população"."Para isso precisava de uma arma", explicou, alegando ter sido apenas essa a razão de sua entrada na Team Alfa.A milícia, chamada algumas vezes como Jati Merah Puti (em bahasa, "Autêntico Branco e Vermelho", as cores da bandeira indonésia), foi criada em 1986 pelo capitão Luhut Panjaitan, das forças especiais indonésias, para fazer o recrutamento local contra a guerrilha.A primeira arma de Joni Marques foi uma AK-33. Nos anos depois, recebeu treinamento em muitas outras, incluindo M16 e AK - suas preferidas porque "nunca falham".O desempenho de Joni Marques lhe rendeu o comando dos 80 homens da Team Alfa entre 1991 e 1994."Depois descobriram que eu tinha um 'jogo' com a resistência, de lhes dar munições. Tiraram-me do comando, mas não me expulsaram".De castigo pela traição, Joni Marques ganhou uma coronhada, da qual ainda existe uma cicatriz discreta no canto direito da boca, produzindo em Joni um estranho efeito de sorriso permanente.Joni Marques ainda se lembra de um combate com a unidade das Falintil comandadas por Vicente da Conceição Railós, em 1998."Um dos homens dele ficou ferido e fui eu que consegui dar-lhe assistência", conta Joni Marques.Railós, acusado de distribuir armas a civis na crise de 2006, está preso em Becora desde outubro de 2007."Quando o vi entrar lá, abraçamo-nos. Eu disse-lhe: os grandes jogam, mas nós é que estamos na prisão", contou Joni Marques à Agência Lusa.Agora em liberdade, Marques ainda não sabe o que vai fazer da vida. "Quero apenas que os grandes se entendam".

1 comentário:

Anónimo disse...

Edition: 24 June 2008



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