segunda-feira, 24 de setembro de 2007

"Atrasámo-nos devido a políticas erradas nos últimos 20 anos"

A parceria com a Eni levou a Galp a estar presente no off-shore de Timor-Leste. A mudança de Governo e a instabilidade política naquele país preocupam-no?


Entrevista com Murteira Nabo, bastonário da Ordem dos Economistas
Em termos gerais, o nível de preparação dos alunos de economia e gestão responde às necessidades das empresas e da economia?

O nível melhorou muito em termos médios e os profissionais saem muito qualificados da universidade. Agora, quando a oferta aumenta, há sempre coisas melhores e piores. E, tirando as escolas de grande prestígio com empregabilidade assegurada, o desemprego dos economistas concentra-se no primeiro emprego.

A falta de gestores à altura dos desafios da globalização limita o crescimento potencial da economia?

Isso acontece sempre. O curso é, apenas, o arranque para uma aprendizagem contínua. É na profissão ao longo da vida que é preciso continuar a aprender. Esta é uma evidência que cada vez mais quadros reconhecem. Se eu hoje me posso considerar um gestor qualificado, devo-o aos cursos de pós-graduação e à constante aprendizagem ao longo da minha vida profissional.

E o programa InovJovem, que coloca jovens gestores nas pequenas e médias empresas é visto com bons olhos pela Ordem dos Economistas?
Sim, na medida em que sobe o nível geral da gestão das PME, que no nosso países é muito deficiente. Contribui para a mudança cultural de fundo nesse campo, mas ela não virá de actos ou impulsos isolados, mas sim de um esforço longo e continuado. O futuro está na formação ao longo da vida e na introdução de jovens em empresa que não têm condições às vezes para lhes pagar o que merecem, desde que tudo isso se faça de forma sustentável a nível nacional.
E a resposta está a dar-se ao ritmo necessário?

Eu acho que estamos a responder. A qualificação média dos nossos economistas aumentou, a sua visão estratégica é hoje muito maior. As PME tecnológicas, que começam a aparecer, com novos métodos avançados de gestão estão a mudar muito a nossa economia. É por aí que se notam mais as mudanças. Pode não ter efeitos de curto prazo, mas é o decisivo para o futuro.
E há sinais no comércio externo que indiciam mudanças ao nível tecnológico?

Há, mas é uma evolução de fundo que leva tempo. Não sei se levará uma geração ou duas, mas está a acontecer ao nível das PME, o que é decisivo, já que são elas que estruturam toda uma economia. Para mim são tendências que vão manter-se.

Hoje temos umas 28 mil empresas a exportar, muitas delas, a exportar ainda muito pouco...

A base é ainda muito estreita, não chega. Mas o alargamento é inevitável e as universidades mudaram a sua forma de estar. Hoje já ligam a investigação à criação de empresas, o que não acontecia há bem poucos anos. A visão de que a universidade deve estar aberta ao mercado, gerando empresários e novos produtos, está a implantar-se, numas de forma mais rápida do que noutras. O segundo momento, que ainda está para vir, é o salto das novas empresas para a globalização. Já há empresas de sucesso a ser compradas por multinacionais, mas tudo isso ainda está no começo.
E em que ponto estamos do ciclo económico?

Aí, sou polémico. Eu critico muito a política seguida nos últimos 20 anos. Acho que investimos demasiado em infra-estruturas físicas e demasiado pouco em qualificação das pessoas. A relação entre ambas devia pender mais para investimentos em melhores universidades, em melhores escolas com incentivos ao regresso ao ensino, como estamos agora a fazer. Isso levou a um atraso. E ficámos aquém em termos de competitividade. A saída da crise está a dar-se com alguma dificuldade por falta de qualificação, enquanto outros lá fora apostaram nela nas últimas décadas.
E as mudanças em curso são, como se ouve dizer, pura propaganda?

Não. Na área da eficiência da administração pública as mudanças são reais e não podem deixar de produzir resultados a nível da produtividade. A criação de empresas em minutos, em vez de levar dois ou três meses, a penetração da Internet nos serviços públicos e na ligação às empresas têm de produzir efeitos positivos. Não pode deixar de ser assim. Mas há um outro elemento de dificuldade, o nosso défice público. E enquanto não arrumarmos a casa, não conseguimos crescer de forma mais agressiva.
Estamos a arrumar a casa?

Estamos, sim. Se se conseguir atingir já este ano um défice inferior a 3% do PIB, o que é possível e desejável, voltamos a poder desenvolver-nos mais. E aí o Estado, de forma sustentada, pode apoiar mais os investidores para que eles possam criar mais riqueza.
Baixando impostos?

Não só, mas vai ter de acontecer inevitavelmente. Quanto ao IVA não podemos fugir muito tempo a ter um IVA semelhante ao espanhol. Isso é claro para mim. Qualquer governo vai ter de o fazer assim que houver condições. Quanto aos impostos sobre o rendimento, é preciso analisar a questão com cuidado.
Quando?

Assim que haja condições para manter de forma sustentada o défice abaixo dos 3%. Eu deixava a baixa do IRC para segundas núpcias. Estão--se a tomar medidas de fundo muito importantes, como a reforma da Segurança Social. Provocam grandes protestos, mas tinham de ser feitas. Com as finanças públicas sustentadas e equilibradas é possível incentivar a economia.

É, também, o chairman da Galp. Desenham- -se os mais diversos cenários para o futuro da empresa em termos de alianças e aquisições. Com quem vai casar-se a Galp para poder ganhar dimensão?

A empresa está a definir a sua estratégia internacional, virada para a extracção e produção de combustíveis. Até há pouco tempo, a Galp era uma refinadora com distribuição. Hoje já tem poços de petróleo em Angola e no Brasil. O objectivo é agora mais ambicioso: aumentar a extracção, crescer na Ibéria. Em termos internacionais, a Galp já está alinhada. Tem um parceiro. Um terço do seu capital é detido pela italiana Eni e tem outro parceiro, que é a Sonangol. Há outros a namorar a nossa empresa, até por que a consolidação vai dar-se na Europa. Ela vai modificar muita coisa, mas o acordo parassocial protege a empresa por cinco anos a oito anos, durante os quais os accionistas de referência não podem comprar ou vender acções.

A parceria com a Eni levou a Galp a estar presente no off-shore de Timor-Leste. A mudança de Governo e a instabilidade política naquele país preocupam-no?

Não. Repare que entre as primeiras prospecções e a extracção de petróleo decorrem, em média, dez anos. E, ainda por cima, somos um parceiro muito pequeno no consórcio criado. A instabilidade é sempre preocupante, mas até agora não sentimos qualquer mudança de política quanto ao processo de prospecção do petróleo em Timor-Leste.
O modelo dualista de gestão de grandes empresas, com um chairman e um CEO está a ser questionado, na sequência da querela no BCP. Qual é a sua posição em relação aos modelos de governação de grandes empresas?

Eu sou um defensor do modelo monista, nunca defendi o modelo dualista. Acho que o modelo monista, tendo um conselho de administração, do qual sai uma comissão executiva, permite concertar estratégias de forma muito mais fácil entre os diversos accionistas de referência e compatibilizar os interesses em presença. Agora, se me pergunta se é necessário o modelo do chairman mais o CEO, respondo que sim, é necessário, por razões de transparência. Desde que esse modelo seja entendido como um modelo de partilha da visão estratégica e de partilha da actividade executiva. Tem de haver um diálogo permanente entre ambos, por forma a que os accionistas saibam que a estratégia definida está a ser executada e que haja transparência em todas as decisões tomadas. A experiência que eu tenho é de que a permanente e informal comunicabilidade, que tem de existir entre chairman e CEO, se revela difícil entre nós. Quando isso falha, geram-se situações do tipo BCP. E reduzir o papel do chairman a mera figura simbólica não vale a pena, é um desperdício.

"A ORDEM AINDA NÃO É UMA VOZ RECONHECIDA"

O que vai trazer de novo o 2.º Congresso dos Economistas?

Aproveitámos a presidência portuguesa da União Europeia para trazer a Lisboa grandes personalidades do mundo da economia para discutir a conjuntura portuguesa e europeia, no contexto da globalização. Daí que tenhamos oradores de todas as partes do mundo, também dos países emergentes e de África. E já tem asseguradas as presenças qualificadas que pretendia?

Sim. No programa temos um conjunto de grandes oradores. O Presidente da República abrirá os trabalhos, falando como economista que é, e não, apenas, de um ponto de vista institucional. Temos o prémio Nobel Edward Prescott, o comissário Joaquín Almunia, além dos economistas de maior renome do país, como Miguel Cadilhe, Eduardo Catroga, João Salgueiro, Ernâni Lopes, Teodora Cardoso. Os ministros das Finanças e da Economia, bem como o governador do Banco de Portugal também falarão aos congressistas. Vai ser um grande momento de discussão para os economistas do nosso país. Esperamos perto de mil economistas.
E surgiram comunicações em quantidade e qualidade?

Recebemos cerca de 100 teses. É o dobro dos trabalhos enviados ao nosso 1.º Congresso. Vão ser seleccionadas as mais relevantes e apresentadas pelos autores nos cinco grupos de trabalho que vão trabalhar em paralelo:

a economia portuguesa, a internacionalização da economia e a gestão das empresas, mas também uma discussão aprofundada à volta da formação e da profissão dos economistas.
Está no fim do seu mandato à frente da Ordem dos Economistas. Vai recandidatar-se a um segundo mandato?

Vou. E será, de acordo com os estatutos, o último.

Como avalia a evolução da profissão e da sua Ordem nestes últimos três anos?

Considero-a muito positiva. Ela estava muito centrada nos meios académicos e muito pouco nos mercados, com grande peso da macroeconomia e pouco peso da gestão de empresas. Mas hoje, mais de dois terços dos nossos associados são da microeconomia. É uma mudança muito forte que se deu nos últimos cinco anos e obrigou a Ordem a ligar-se mais às questões da empresa e da sua gestão, e já não, quase exclusivamente, às questões da macroeconomia. Em seguida, tentámos que a Ordem tivesse uma voz relevante na sociedade. A Ordem não é, apenas, uma associação que se dedica às questões da profissão, mas tem também opiniões. Mas ela ainda não é reconhecida como voz relevante a ser ouvida nos momentos próprios. Não o bastonário, mas a Ordem. Era importante que isso acontecesse, mas ainda não é assim. Não é fácil emitir opiniões que reflictam as ideias prevalecentes entre 12 mil associados.
Continua a haver vagas por preencher nos cursos. A profissão não é atractiva?

As universidades estão em grande transformação com o Processo de Bolonha. E as Ordens profissionais debatem-se com os critérios do acesso reconhecido à profissão. No nosso caso, temos uma grelha de requisitos para o acesso à profissão para além da simples licenciatura. Nós optámos pelo rigor na admissão, facilitando a fase do estágio. Bolonha vai obrigar a avaliar tudo isto. O mercado começou a distinguir os cursos. Alguns não terão procura porque a imagem que têm no mercado não é a melhor.

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