Sargento Gonçalo Fulgêncio recorda a primeira missão militar do outro lado do mundo
O comando Gonçalo Fulgêncio ensinou crianças timorenses a utilizar talheres na primeira missão. E no Afeganistão viveu em ambiente de guerra. Memórias de um militar de Almeirim ao serviço do Exército português.
Gonçalo Fulgêncio, 27 anos, natural de Almeirim, nunca vai esquecer a sua primeira missão como elemento dos Comandos, uma força especial do Exército português. Foi em 2004, em Timor. Travou conhecimento com três crianças que viviam nas montanhas daquele país lutando pela sobrevivência. Todos os dias os pequenos, que tinham entre sete e oito anos, pediam comida aos militares que estavam de patrulha na cidade de Aileu, nas montanhas timorenses. Comovidos com a extrema pobreza do país e a necessidade de sobrevivência da população, Gonçalo e os colegas levaram os jovens para as instalações do grupo, deram-lhes comida e ensinaram-lhes coisas tão simples como comer com talheres ou jogar videojogos.
“É indescritível perceber como aquele mundo é tão diferente do nosso. Eles não têm absolutamente nada. Vivem em cabanas ou ao relento. Os timorenses, sobretudo aqueles que moram nas montanhas, acordam todos os dias para tentar sobreviver. Estas crianças nunca tinham visto talheres para comer e muito menos uma televisão. Foi muito bom poder mostrar-lhes coisas novas. E o melhor de tudo foi termos travado amizade com eles. Ainda hoje guardo fotografias que tirei com os três”, revela com um brilhozinho nos olhos o sargento.
De Timor guarda boas recordações. A empatia do agrupamento Hotel – nome do contingente ao qual pertencia – com a população timorense foi imediata. O facto de falarem a mesma língua foi uma grande ajuda na adaptação ao país embora muitos tivessem receio de represálias. “Quando viam que estávamos ali para lhes dar comida falavam português. Mas quando lhes pedíamos informações sobre líderes da aldeia que andavam a ser investigados já não percebiam uma palavra da nossa língua”, relembra.
Em Aileu os comandos eram responsáveis pelo patrulhamento e apoio à população. Nos dias de folga tentavam fazer uma vida normal. Como não havia locais de divertimento na cidade onde estavam tentavam organizar as suas próprias diversões. À noite convidavam os professores, jornalistas portugueses e os chefes da aldeia e faziam as suas festas ao ar livre. “Um de nós colocava música, fazíamos um churrasco e divertíamo-nos da melhor forma possível”, refere.
O que o jovem sargento nunca esquecerá são as praias de Timor. “As praias mais próximas da aldeia onde estávamos ficavam em Díli, a cerca de 60 quilómetros. Íamos à capital de 15 em 15 dias, mas aproveitávamos ao máximo. Aquelas praias são realmente paradisíacas. Águas calmas e quentes. Conseguimos andar 100 metros no mar com a água pelo joelho. É uma beleza única. Indescritível”, confessa.
Desde criança que Gonçalo Fulgêncio cresceu a ouvir contar histórias de fuzileiros e militares. O que despertou em si o fascínio pelo manuseamento de armas e pela farda militar. Mas sobretudo motivava-o a ideia de poder intervir em situações de conflito e ajudar quem mais precisa. Por isso foi com naturalidade que decidiu, após concluir o ensino secundário, ingressar na vida militar. O jovem almeirinense fez o serviço militar obrigatório durante seis meses em Mafra tendo sido transferido, posteriormente, para Abrantes. Na cidade ribatejana deu instrução aos mais jovens.
Em 2002 voltou para Mafra – quartel onde estão sediados os Comandos, força militar à qual pertence - onde está até hoje. Cada militar pode assinar, no máximo, nove contratos de trabalho com o Exército. No final desses contratos é obrigado a deixar a vida militar. A não ser que tenha formação superior especializada. Com o canudo é mais fácil entrar nos quadros do Exército. É esse o seu objectivo. Por isso está a tirar o curso de Sociologia e Planeamento, no Instituto Superior de Ciências Trabalho e Empresas (ISCTE) onde frequenta o primeiro ano.
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