terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Morreu o ex-presidente indonésio que mandou invadir Timor-Leste

PATRÍCIA VIEGAS
Os activistas dos direitos humanos e os seus antigos opositores políticos lamentam que nunca tenha respondido pelas mortes que ordenou ou pelo dinheiro que a sua família armazenou de forma fraudulenta. Mas alguns indonésios não esquecem a forma como revitalizou a economia. 'Haji' Muhammad Suharto, o antigo presidente da Indonésia que ordenou a invasão de Timor-Leste, morreu ontem, em Jacarta, aos 86 anos.

"A sua morte é uma tragédia para todas as vítimas dos seus crimes. Nunca mais conseguirão justiça", disse à AFP Budiman Sudjatmiko, que esteve preso quando era estudante durante o regime de Suharto. O homem que chefiou com mão de ferro os destinos da Indonésia ao longo de 32 anos "morreu como um tirano", afirmou Carmel Budiardjo, directora de uma organização não governamental de defesa de prisioneiros indonésios, a Tapol, lamentando que "a elite política [indonésia] não veja necessidade de fazer justiça".

O derramamento de sangue que acompanhou a sua subida ao poder, após um misterioso golpe, em 1965, que foi atribuído aos comunistas, saldou-se em 500 mil mortos, segundo números oficiais. Mas há quem fale num milhão ou até mesmo dois. Instigados por militares, comunidades religiosas muçulmanas, católicas e hindus, em Java e Bali, deram caça aos comunistas e apoiantes, lembra o correspondente da Lusa em Díli, Pedro Rosa Mendes.

"Eu vim prestar-lhe homenagem com a minha mulher e filha", afirmou Suntoro, de 33 anos, apesar de saber que não pode entrar na casa da família do ex-ditador em Jacarta, aquela onde passou os últimos dez anos. "Acho que serviu bem o país. A economia estava melhor no seu tempo", acrescentou o indonésio, referindo--se ao balanço da Nova Ordem. A crédito de Suharto fica a recuperação económica da Indonésia, que atingiu os 7% de crescimento anual, tendo a percentagem de pobres caído de 52% para 7% em três décadas. A Indonésia viria a atingir a auto-suficiência em arroz no ano de 1984.

O regime do ex-ditador, muçulmano como 90% dos compatriotas, ficaria marcado pela corrupção. A Organização Transparency International, em 2004, colocou Suharto no topo da lista dos líderes mais corruptos de sempre estimando desvios de fundos na ordem dos 10 a 24 mil milhões de euros durante os anos em que esteve no poder. As suas constantes más condições de saúde, que ontem o levaram à morte, fizeram com que um processo de corrupção contra si fosse encerrado.

O ex-chefe do Estado indonésio, lembra Pedro Rosa Mendes, teve na questão de Timor-Leste o seu maior problema na frente externa. Arquitecto da invasão, após o abandono da colónia por Portugal, Suharto foi responsável pela morte de um terço da população timorense. As organizações de direitos humanos falam em, pelo menos, 200 mil mortos. O ex-ditador, amigo do Ocidente, acabaria por demitir-se em Maio de 1998, no auge da crise financeira asiática, sob pressão de protestos estudantis. Foi sucedido no cargo pelo seu vice-presidente, Youssuf Habibie, encetando-se uma nova perspectiva à independência de Timor-Leste. Algo em que até então poucos acreditavam.

Xanana Gusmão, líder emblemático da resistência timorense, que na altura estava preso em Cipinang, declarou à Lusa que a ditadura indonésia também deve ser entendida à luz do que foi a Guerra Fria. O actual embaixador da Indonésia em Portugal, por seu lado, vai mesmo ao ponto de dizer que Suharto não queria invadir Timor-Leste. Francisco Lopes da Cruz, nascido em Timor, aponta o dedo aos EUA e ao combate ao marxismo-leninismo.

Após o velório em Jacarta, ao qual compareceu, entre outros, o actual chefe do Estado indonésio, Susilo Bambang Yudhoyono, o corpo de Suharto vai hoje ser sepultado na antiga cidade real de Solo, em Java, a ilha natal do ex-presidente. Os timorenses, esses, não devem, guardar rancor do antigo ditador, pelo menos os que seguirem os conselhos do Presidente Ramos-Horta.|

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