quarta-feira, 11 de julho de 2007

O toca-e-foge com Reinado


No domingo fui às montanhas almoçar com o major Alfredo Reinado, o rebelde em fuga. Comemos arroz e iscas com salada. Foi um almoço tardio mas cheio de surpresas. Contarei pormenores sobre esse encontro na edição em papel do Expresso do próximo fim-de-semana. O Expresso publicará também, na edição online, uma entrevista com ele. Neste momento, Reinado está cercado pelo exército australiano. Ao contrário do que foi noticiado na semana passada, ele não tem um salvo-conduto. O cerco dura desde domingo à noite e não se sabe como nem quando irá terminar.

Fui há pouco a Camp Phoenix, o quartel-general da Forças de Estabilização Internacionais (ISF), em Caicoli, e falei com o tenente-coronel Robert Barnes. «A captura do major Reinado é uma decisão do governo timorense. Terá de lhes perguntar». Claro que recusaram dar-me boleia de helicóptero até ao cerco. «Não levamos jornalistas nas nossas operações». O que será que irá acontecer? Será este o momento ideal para tentar a captura do major, quando há tensão e impasse no circo político? A última vez que tentaram, Díli entrou em caos. Na noite de 3 para 4 de Março, enquanto os Black Hawks disparavam sobre Same, as ruas da capital eram bloqueadas com pneus a arder, pedregulhos e objectos pesados. Ouvi falar de um cofre gigante no meio do asfalto que teve de afastado com uma retroescavadora.

Até ao fim-de-semana, a situação política em Timor deverá ficar mais clara. Hoje, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) entrega os resultados aprovados das eleições legislativas de 30 de Junho ao Tribunal de Recurso, que se espera dar o seu aval amanhã, permitindo a partir daí ao presidente Ramos-Horta decidir quem vai formar governo: a Fretilin de Mari Alkatiri, o partido mais votado (29%), ou a aliança de Xanana Gusmão, com a maioria dos assentos parlamentares. Ou a um entendimento entre as duas partes. Sinto muito pessimismo no ar. «Se os líderes políticos estão a gerar confusão sobre quem deve governar, como é que o povo, 90 por cento dele iletrado, vai entender qual é a solução realmente justa?», dizia hoje um timorense letrado no bar do Hotel Timor. «Podemos entrar numa crise pior do que a do ano passado».

O taxista que me levou a Camp Phoenix questionava-se: «A Fretilin ganhou as eleições. Como é que agora Xanana convenceu outros partidos e quer o poder para ele? Não pode». Pode? Não pode?

E agora, algo verdadeiramente surpreendente: a vida real em Díli. Se alguém tiver um ataque cardíaco aqui o mais provável é que morra. O Hospital Valadares, o maior e mais bem apetrechado do país, não tem uma única sala de cuidados intensivos nem uma máquina de suporte de vida. O mais dramático é que há uma política diferente de apoio de emergência para os internacionais (incluindo portugueses) e para os timorenses. Se o moribundo é estrangeiro, com alguma sorte um avião das ISF leva-o até à Austrália. Se é timorense, fica para morrer. Lei dura.

Micael Pereira, enviado especial a Timor-Leste

Publicado terça-feira, 10 de Julho de 2007 10:29 EM

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