terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Timor-Leste: Ramos-Horta e principais partidos ponderavam eleições antecipadas - Mário Carrascalão

** José Sousa Dias, da Agência Lusa **

Lisboa, 19 Fev (Lusa) - O cenário de eleições antecipadas em Timor-Leste estava a ser discutido pelos principais partidos políticos com Ramos-Horta, antes do duplo atentado de 11 deste mês, disse à Agência Lusa o líder do Partido Social Democrata (PSD) timorense.

Mário Carrascalão, que está em Lisboa praticamente desde o dia dos atentados ao Presidente e ao primeiro-ministro timorenses, José Ramos-Horta e Xanana Gusmão, adiantou em entrevista segunda-feira à Lusa, que o assunto foi analisado numa reunião ocorrida a 07 de Fevereiro na residência do chefe de Estado com as principais forças partidárias do país.

No entanto, disse Mário Carrascalão, o encontro acabou por tornar-se inconclusivo e deveria ser seguido por mais "duas ou três reuniões" para tentar obter um consenso, mas o duplo atentado, perpetrado quatro dias mais tarde, acabaria por as inviabilizar.

Segundo o líder do PSD timorense, a reunião foi precipitada por uma carta enviada pelo secretário-geral da Fretilin, Mari Alkatiri, ao secretário-geral das Nações Unidas, em que o antigo primeiro-ministro timorense pedia a Ban Ki-moon que pressionasse Ramos-Horta a antecipar eleições gerais.

"Ramos-Horta disse-me que, quando viu o conteúdo da carta (de Alkatiri a Ban Ki-moon), foi encontrar-se com o (Francisco) Lu Olo (Guterres, presidente da Fretilin) para falarem sobre a forma como levar isso para diante", afirmou Carrascalão, dando conta de uma conversa que manteve com o Presidente timorense na residência da sua irmã Gabriela, na noite de Natal de 2007.

O líder do PSD adiantou à Lusa que, nessa "conversa", Ramos-Horta lhe disse que Alkatiri estava a "insistir muito" para antecipar as eleições presidenciais e legislativas para 2009.

O chefe de Estado, recordou Mário Carrascalão, "disse que eleições antecipadas só com duas condições: uma, que o Presidente também seja eleito de novo, e, outra, que todos os partidos concordem." Ramos-Horta, adiantou o líder do PSD, não se recandidataria ao cargo.

"Disse-me que estava cansado e que era uma oportunidade boa para se esquivar da posição de Presidente" afirmou, lembrando que Ramos-Horta pretendeu, em vão, alterar a Constituição, de forma a dar um cariz presidencialista ao sistema político.

Segundo o líder do PSD, na reunião realizada em casa do Presidente timorense, o primeiro-ministro garantiu que a Aliança para uma Maioria Parlamentar (AMP, coligação de quatro partidos no poder) conseguiria, sozinha, resolver os problemas de Timor-Leste.

As condições para o fazer, disse, eram várias e, entre outras, tinham de garantir soluções para as questões dos deslocados, do major Alfredo Reinado, dos peticionários, das reformas na Justiça, Defesa, Segurança e Administração e da boa governação.

Quando chegou à reunião com Ramos-Horta, contou Carrascalão, já lá se encontrava cerca de uma dezena de dirigentes da Fretilin, entre eles "Lu Olo", Alkatiri, José Manuel Fernandes, Ana Pessoa, Arsénio Bano, Ilda Conceição e Cipriana Pereira.

"A dada altura, após uma hora de conversas mornas, o Presidente fez a conclusão e disse: `Bom, uma vez que o governo da AMP, sozinho, não está capacitado para resolver o problema, então vamos antecipar as eleições`", recordou Mário Carrascalão à Lusa.

O líder dos sociais-democratas prosseguiu a sua descrição da reunião: "Mas eu inquiri: `As conclusões do Presidente não condizem com as do primeiro-ministro.` Então, o Presidente virou-se para Xanana e disse: `Senhor primeiro-ministro, o que diz a isto?`"

Segundo Carrascalão, "Xanana respondeu: `Como primeiro-ministro tenho de dizer que somos capazes.` E Ramos-Horta acrescentou: `Eu, se fosse primeiro-ministro, também dizia que era capaz.`"

Ainda de acordo com o presidente do PSD, Ramos-Horta afirmou, depois: "Então ainda não estamos em completo entendimento. Vamos ter de fazer mais duas ou três reuniões."

Por fim, disse Carrascalão, a reunião ficou por aí: "Viemos embora e, depois, fiquei surpreendido com tudo o que se passou a seguir", com o duplo atentado contra Ramos-Horta, que está internado num hospital australiano em estado estável mas ainda grave, e Xanana, que escapou ileso. Reinado morreu baleado na residência do Presidente timorense.

Por outro lado, Carrascalão afirmou ver "com muita preocupação" as Forças de Defesa de Timor-Leste (F-FDTL) receberem a missão de "ir à caça" do líder dos peticionários, major Gastão Salsinha, aliado de Reinado.

"Isto é que é a questão de fundo em Timor: Loromonu ou Lorosae", defendeu, numa alusão à crise de 2006, que opôs originários de oeste e de leste do território, inicialmente no seio das forças armadas e depois em actos de violência civil no país, sobretudo em Díli, provocando milhares de deslocados. "Quem pôs as F-FDTL na missão está a querer criar uma guerra civil. Quem tomou a decisão é um inconsciente. Se foi o primeiro-ministro então é um primeiro-ministro inconsciente", sustentou.

"Quem quer que seja que está por trás disto está a preparar alguma coisa em Timor-Leste e precisa de ser confrontado com alguma coragem. É preciso dizer a quem tomou a decisão que será responsabilizado por uma hipótese de guerra civil em Timor", sublinhou.

Andam a passar-se "coisas estranhas" no país, disse o líder do PSD, prometendo que, quando regressar a Díli, na próxima quarta-feira, vai averiguar as causas do duplo atentado em Timor-Leste.

"O ataque a Xanana Gusmão cheira-me a montagem de alguém que não sei quem é. Quem conhece aquela estrada, sabe que ninguém escapa a uma emboscada. Ninguém ficou ferido", afirmou.

Quanto ao atentado contra a Ramos-Horta, o líder do PSD defendeu que Reinado, a quem chama sempre Alfredo, "não queria assassinar" o Presidente, sustentando a tese de que alguém lhe montou uma "cilada".

"Não foi o Alfredo que quis assassinar o Horta, pois (o Presidente) era a sua única hipótese e (Reinado) sabia disso", sustentou.

"Para mim é uma cilada. Ramos-Horta estava a tentar modificar a situação em Timor. Tentava abrir uma porta para a solução dos problemas. Essa foi a razão por que Horta foi alvo. Não sei se dos australianos, se dos peticionários que estavam acantonados ou mesmo uma facção das F-FDTL. Qualquer uma destas três hipóteses é viável."

Lusa/Fim

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